Como é sabido, a Justiça Desportiva no Brasil está consagrada pelo disposto no art. 217 da Constituição Federal de 1988, valendo destacar do texto dos parágrafos primeiro e segundo do referido dispositivo, que é conferida à Justiça Desportiva competência exclusiva para admitir ações relativas à disciplina e às competições desportivas, antes mesmo da atuação do Poder Judiciário, pelo período máximo de 60 dias, representando assim, uma exceção constitucional ao ditame do art. 5o, XXXV, da própria Constituição.
Em atenção ao mandamento Constitucional, o Legislador Ordinário editou, em épocas distintas, Leis Federais que dispunham sobre normas gerais de desporto que, por sua vez, entre outras matérias, disciplinaram a existência de Sistemas Paralelos (ex vi art. 4.º, inciso IV, Lei 9.6015/98, atual LGD), além de dispor sobre Justiça Desportiva.
Em virtude desse permissivo legal foi o Legislador Barriga Verde autorizado a editar da Lei nº 9.808/94, que criou o Sistema Catarinense de Desporto, fomentado e sustentado pelo Governo do Estado de Santa Catarina, compreendendo a Secretaria de Estado da Educação, Cultura e Desporto – SEC (atualmente Secretaria de Cultura, Turismo e Esporte), a Fundação Catarinense de Desportos – FESPORTE; o Conselho Estadual de Desportos - CED; o Tribunal de Justiça Desportiva – TJD e ainda as entidades estaduais de administração do desporto, as Federações Desportivas ou equivalentes e seus filiados.
Reza o art. 1º da referida Lei Estadual que o Sistema Catarinense de Desporto tem por finalidade garantir a prática desportiva regular em todas as formas de manifestações do desporto de rendimento, de participação e educacional, abrangendo práticas desportivas formais, reguladas por normas nacionais e internacionais e as não formais, caracterizada pela liberdade lúdica de seus participantes.
Daí porque, a legislação catarinense reconhece a existência de três categorias de prática desportiva: I - desporto educacional; II - desporto de participação e o III - desporto de rendimento.
Neste sentido, visando atender as peculiaridades dos vários eventos promovidos pela FESPORTE, cujo calendário anual é composto por mais de 230 promoções, nacionais e internacionais, o Sistema Catarinense de Desporto foi aparelhado por um regramento disciplinar próprio, o Código de Justiça de Santa Catarina – CJSC, aprovado pelo Conselho Estadual de Desporto – CED, órgão Colegiado com funções consultivas, deliberativas, normativas e fiscalizadoras em matéria de desporto, a quem sem prejuízo das normas vigentes, cabe criar o Tribunal de Justiça Desportiva e regulamentar suas atribuições e aprovar o Código de Justiça Desportiva (ex vi incisos IX e X do art. 5º).
Assim, o CED, de acordo com as deliberações das reuniões ordinárias de 28/10 e 4/11 de 2004, editou a Resolução 07/CED/2004, de dezembro de 2004, que criou o Código de Justiça Desportiva do Estado de Santa Catarina, que vigora desde 1º/01/05 e que sofreu outras alterações por força da edição das Resoluções 03/CED/2005 e 01/CED/2006
Consta do referido Código Disciplinar que o mesmo tem por princípios: ampla defesa; celeridade; contraditório; economia processual; impessoalidade; independência; legalidade; moralidade; motivação; oficialidade; oralidade; proporcionalidade; publicidade; e razoabilidade, a ele se submetendo todas as pessoas físicas ou jurídicas, remuneradas ou não, e/ou terceiros, que, direta ou indiretamente, estiverem a elas subordinadas, participando nas competições promovidas ou patrocinadas por Entidade de Administração do Desporto do Sistema Desportivo Estadual.
Ressalte-se que neste Sistema, o princípio do duplo grau de jurisdição é obedecido, porém, ao contrário da possibilidade de até três instâncias recursais distintas como ocorre no Sistema Nacional (STJD, TJD e CD), aqui a estrutura da Justiça Desportiva contempla, como órgãos de primeira instância as Comissões Disciplinares e o Conselho de Julgamento e como última instância, o Tribunal de Justiça Desportiva (ex vi art. 4º).
Este será constituído por 9 (nove) Auditores efetivos, de acordo com a Lei Federal nº 9.981/2000 e Lei Estadual nº 9.808/92, sendo: 2 (dois) indicados por entidade de administração do desporto, sendo 1 (um) indicado pela entidade de administração pública estadual e outro de entidade de administração de direito privado; 2 (dois) indicados pelas entidades de prática desportiva que participem de competições oficiais; 2 (dois) advogados com notório saber jurídico-desportivo, indicados pela Ordem dos Advogados do Brasil, Seção de Santa Catarina; 1 (um) representante dos árbitros, por estes indicado; 2 (dois) representantes dos atletas, por estes indicados, todos com mandato de 2 (dois) anos, permitida uma recondução no segmento (ex vi art. 5º).
Por seu turno, aqueles, de livre indicação do Tribunal de Justiça Desportiva/SC, são compostos de 5 (cinco) auditores, cabendo a nomeação ao Presidente do TJD/SC, valendo destacar quanto a competência, que as Comissões Disciplinares atuam desde o momento da sua nomeação, até o último dia de competição ao passo que os litígios ocorridos fora do período de competição e, aqueles que, em primeiro grau de jurisdição, não puderam ser julgados em virtude da extinção da competência da Comissão Disciplinar serão julgados pelo Conselho de Julgamento (ex vi arts. 06 e 07).
Destaque-se que perante o TJDSC e ainda junto às Comissões Disciplinares e Conselho de Julgamento haverá a atuação da Procuradoria de Justiça Desportiva, cuja nomeação, ao contrário da regra estatuída no CBJD, compete ao Estado, através da FESPORTE, que também é responsável pela Secretaria que serve aos órgãos da Justiça Desportiva e o seu custeio.
O CJDSC também prestigia as figuras dos Defensores Constituído e Dativo, quanto ao primeiro assegurando que “Qualquer pessoa, maior de 18 (dezoito) anos, com notório saber Jurídico-Desportivo, poderá atuar como defensor, mediante a apresentação de Instrumento do Mandato.” e ao segundo, “O Presidente do Tribunal de Justiça Desportiva poderá nomear, pessoa de notório saber jurídico desportivo, e de conduta ilibada, para o exercício da função de defensor dativo perante os órgãos da Justiça Desportiva.”
Além dessas, outras diferenças ainda podem ser apontadas entre os Sistemas Nacional e Catarinense, inclusive, no tocante ao Processo Disciplinar, especialmente a matéria referente a prazos.
Aliás, oportuno esclarecer que no processo ordinário, iniciado de ofício mediante denúncia da Procuradoria, ou por queixa a ela endereçada, a súmula e o relatório da competição serão laborados e entregues pelo árbitro e seus auxiliares à coordenação técnica da competição, respeitando os prazos de 2 (duas) horas durante a realização da competição, e 2 (dois) dias quando fora desta competindo à entidade de administração do desporto, quando verificar a existência de qualquer irregularidade anotada nos documentos mencionados no inciso anterior, os remeterá ao órgão judicante competente, no prazo de 1 (uma) hora durante a realização da competição, e 2 (dois) dias quando fora desta, sem prejuízo do início do processo pela Procuradoria, independentemente de eventual punição dos responsáveis pelo atraso, para que recebida e despachada a documentação, pelo Presidente do órgão judicante, a secretaria proceda o registro, encaminhando à Procuradoria para manifestação, que deverá ser em prazo não superior a 3 (três) horas durante a competição e, 2 (dois) dias quando fora desta (ex vi art. 27).
Assim, oferecida a denúncia, os autos serão conclusos ao Presidente do respectivo órgão judicante que, no prazo de 2 (duas) horas, durante a realização de competição e 2 (dois) dias quando fora desta, a contar do seu recebimento, nomeará relator; analisará a incidência a suspensão preventiva, caso já não tenha sido determinada; designará dia e hora da sessão de instrução e julgamento e determinará o cumprimento dos atos de comunicação processual e demais providências cabíveis.
Ainda no tocante aos prazos cumpre ressaltar que contam-se quando fora da realização da competição, a partir do 1º (primeiro) dia útil após a citação ou intimação e quando durante a realização da competição, quando houver, a partir do recebimento da citação ou intimação,sendo que os prazos não expressamente estabelecidos no CJDSC serão sempre de até 5 (cinco) dias, quando fora do período de realização dos jogos e até 6 (seis) horas quando da realização desses, valendo ainda destacar que durante a realização dos jogos, ficam os prazos suspensos no período das 23 (vinte três) horas até as 7 (sete) horas do dia seguinte.
Quanto às provas, repetindo a regra do CBJD, também o CJDSC reconhece todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não expressamente especificados, como hábeis para provar os fatos alegados no processo disciplinar, ou inquérito e relativamente aos fatos ocorridos antes, durante e depois da competição, o julgador levará em conta, principalmente, a palavra do árbitro, no que se refere ao que foi por ele observado, decidido, descrito na súmula ou relatório.
Nesta esteira, os roteiros do Inquérito bem como da própria sessão de julgamento são muito semelhantes ao prescrito no CBJD, diferindo, apenas, quanto aos prazos, sobretudo, se considerado aqueles durante as competições.
A exemplo do CBJD, o CJDSC trata de Processos Especiais, como o Pedido de Impugnação ou Protesto (art. 91 e seg.), Consultas (art. 96 e seg.), Interpelações (art. 99 e seg.) e o Mandado de Garantia (art. 104 e seg.), sempre com os prazos diferentes, como por exemplo, este último, que no regramento disciplinar geral do Sistema Nacional de Desporto, é de 20 (vinte) dias ao passo que neste Sistema Catarinense, é de até 10 (dez) dias, contados da ciência do ato impugnado, quando fora das competições e de até 12 (doze) horas quando da realização destas.
Vale também citar o Recurso de Revisão, que será admitido na hipótese da decisão houver resultado de manifesto erro de fato ou de falsa prova; da decisão tiver sido proferida contra literal disposição normativa ou contra a evidência da prova e ainda, quando, após a decisão, se descobrirem provas em favor do punido, porém, até 1 (um) ano após o trânsito em julgado da decisão condenatória
Exceto na hipótese da penalidade exceder de duas partidas consecutivas ou mais de 15 (quinze) dias, os recursos no CJDSC não são processados sob o efeito suspensivo, podendo ser voluntário ou necessário.
Quanto às penas, as transgressões relativas à disciplina e a competições desportivas sujeitam o infrator a Orientação pedagógico-desportiva; Medida disciplinar educacional; advertência; multa; suspensão por partida; suspensão por prazo; perda do mando; perda de pontos; indenização; interdição de praça de desportos; exclusão de campeonato ou torneio e ainda à pena de eliminação.
Após assegurar a punição da tentativa com a metade da pena do tipo consumado, reconhecer a existência de circunstâncias agravantes e atenuantes e ainda, regular as hipóteses de extinção da punibilidade, o CJDSC agrupa em 4 (quatro) dispositivos específicos as infrações em geral e aquelas praticadas por Entidades, Dirigentes e Auxiliares, por Árbitro (ou seus Auxiliares) e Coordenador (ou Autoridades correspondentes) e por Atletas.
Alerte-se para outra importante diferença deste Sistema Jurídico Disciplinar é o regramento dispensado aos atletas menores de 14 (quatorze) anos participantes de eventos esportivos que cometerem atos de indisciplina, que estarão sujeitos ao julgamento por uma Comissão Pedagógica Esportiva, que se integrará a instância judicante, composta por 1 (um) profissional de Educação Física, indicado pelo Conselho Regional de Educação Física; 1 (um) Pedagogo, indicados por entidade educacional da região e 2 (dois) representantes, indicados, do Conselho Tutelar, cujas decisões deverão obrigatoriamente ser homologadas pelo órgão competente da Justiça Desportiva.
Estes atletas estão sujeitos à medida educacional/pedagógicas de advertência, por escrito, dirigida ao responsável, dando-se a ciência ao responsável pelo acompanhamento pedagógico do evento para as providências que entender necessárias, visando a convivência sadia, a troca de experiências, o interagir voltado à socialização e à formação do caráter.
Neste sentido, as Orientações Pedagógicas Esportivas não poderão ter caráter de retribuição ou compensação nem se constituir em medidas de efeito intimidatório, podendo, no entanto, restringir-se ao período de realização das competições ou estender-se às atividades na escola e/ou entidade desportiva a qual o atleta representa, devendo ser encaminhadas pela Comissão Disciplinar Pedagógica Esportiva ao Conselho Municipal da Criança e do Adolescente e/ou Conselho Tutelar do município ao qual pertence o atleta, para acompanhamento junto à entidade responsável pelo participante, quando for o caso.
Outra interessante peculiaridade do regramento disciplinar nos eventos promovidos na órbita do Sistema Catarinense de Desporto é aquele que trata dos atletas portadores de deficiência mental, que disputam os Jogos PáraDesportivos de Santa Catarina – PARAJASC, conforme regulado pela Resolução CED nº 02/2006.
Tal regramento impõe, no tocante ao processamento de questões disciplinares envolvendo estes atletas especiais que citar os dispositivos que tratam do trâmite da sessão de julgamento, especialmente a atuação da Psicoterapeuta (como simples redação).
Além disso, urge ressaltar também que no âmbito do Sistema Desportivo Catarinense o TJD/SC poderá oferecer seus préstimos a quaisquer segmentos órgãos/entidades, que promovam atividades desportivas, obedecidos os regulamentos de cada competição, jogo ou prova, mediante convênio específico, cujo teor será informado à Secretaria de Estado a qual estiver vinculado, o que significa dizer que aos integrantes do Sistema Nacional de Desporto, por exemplo, as Federações de Modalidade Desportiva poderão servir-se da estrutura da Justiça Desportiva a que se refere os parágrafos 1º e 2º, do art. 217, da Constituição Federal e ainda a própria LGD para assegurar aos participantes de suas competições a guarida da Justiça Desportiva.
Neste sentido, oportuno informar que o TJDSC mantém diversos convênios com Entidades de Administração do Desporto, servindo de instância recursal intermediária (na hipótese da existência do respectivo STJD), respondendo pelas Comissões Disciplinares com observância do CBJD, eis que o ambiente é o do Sistema Nacional de Desporto.
Mais do que o simples cumprimento do ditame Constitucional e a observância do comando da LGD, a organização e estruturação da Justiça Desportiva, notadamente em Santa Catarina, representa, além da garantia da melhor resolução de assuntos de disciplina desportiva, certeza da transparência e independência nos julgamentos, com o que é completando o lastro de idoneidade que a promotora dos eventos já possui em vista do próprio know how adquirido.
|